Já deixou Jundiaí a mulher de 32 anos que se passou por criança de 12, dizendo-se vítima de uma rede de prostituição em Fortaleza (CE). A reportagem teve acesso exclusivo às radiografias da mulher, que se flagelava, inserindo no próprio corpo agulhas e arames.
Cerca de 150 objetos metálicos ainda continuam percorrendo o interior da adulta, cuja idade foi descoberta pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Jundiaí. Ela se recusou a passar por procedimento para retirada de parte dos objetos. A remoção de todos eles demandaria bastante tempo e deveria ser feita em inúmeras etapas.
Pelas radiografias, é possível notar os corpos estranhos nos braços, pernas, quadris e região pubiana. A própria mulher ressaltou que as agulhas e arames foram inseridos para a “dor física amenizar suas angústias”.
No mês passado, a notícia da chegada de uma menina de 12 anos a Jundiaí, trazida de Fortaleza por um caminhoneiro, que a teria ajudado a fugir de uma rede de prostituição, repercutiu em toda a Região, mobilizando a polícia e o Conselho Tutelar.
A investigação tomou contornos ainda mais sinistros a partir do depoimento da menor, que disse ter convivido com garotas da mesma idade, que receberiam hormônio de crescimento dado pelos responsáveis pelo esquema de prostituição, que seriam pessoas influentes e atuariam também no Amazonas e Pará.
A menor chegou a informar que o grupo criminoso era responsável pela prática de rituais de magia negra envolvendo crianças, e que ela mesma teria testemunhado um bebê sendo oferecido em tais rituais.
Após chegar em Jundiaí, em um final de semana, ela contou ter aceitado a oferta de um homem desconhecido, que que a levou a uma pensão para manter relação sexual em troca de um lugar para ficar naquela noite. De manhã, fugiu do quarto e pediu ajuda a uma equipe da Guarda Municipal, que a apresentou à Polícia Civil.
Investigações
Registrado no Plantão Policial, o caso foi encaminhado para apuração na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Jundiaí. A unidade é considerada especializada da Polícia Civil, com resultados que a colocam entre as mais atuantes de todo o Estado.
Logo no começo da semana, a DDM montou uma ação integrada de combate à exploração sexual de menores. Com apoio de guardas municipais e fiscais do comércio, 12 locais foram vistoriados e sete deles multados.
De acordo com a investigadora-chefe Lilian Picchi, que coordenou os policiais Caio e Andrea (escrivã-chefe Tatiane), sob a supervisão dos delegados Marcel Fehr e Aline Nery Bonchristiani, os locais incluíram pensões, casas de massagens, entre outros. Nenhuma menor, no entanto, foi encontrada.
O próximo passo das investigações levou a DDM a contatar a garota, que disse se chamar Ana Clara. Em conversa no Hospital Universitário, onde ela permanecia, a equipe notou que se tratava de uma pessoa com comportamento infantilizado e aparência depressiva, que se negava a conversar.
Os policiais da DDM notaram ainda que Ana Clara tinha um porte físico grande para uma pessoa de 12 anos, e que seu sotaque não se assemelhava a residentes de Fortaleza, percebendo ainda que ela possuía diversas cicatrizes que não puderam ser analisadas mais profundamente em exames, já que a menina argumentava ter pânico de agulhas em razão dos rituais de magia negra pelos quais passou.
Descobrindo a verdade
Um alerta de que algo estava errado na versão da adolescente surgiu após a DDM não encontrar no sistema policial qualquer pessoa com o nome dado pela jovem, com base no nome dos pais. Neste meio tempo, a garota permanecia na Casa Transitória, de onde pediu para sair em razão do barulho que as crianças faziam ali. Seu argumento é de que tais crianças a faziam lembrar os rituais de magia negra e a faziam ter pensamentos suicidas.
Com o aprofundamento das investigações, a jovem, que já havia sido transferida ao CAPS Infanto-juvenil e se negava a fazer exames médicos, foi levada a fazer um raio-X, tendo a médica responsável pelo procedimento dito que a idade óssea da então garota de 12 anos era compatível, na verdade, com a de um adulto, segundo o método Greulich-Pyle.
Neste meio tempo, a DDM apurou a existência de uma matéria jornalística de 2010 que apresentava caso semelhante de uma jovem, de 13 anos, que havia fugido de Fortaleza para Natal (RN) sob as mesmas circunstâncias e mesmas alegações de Ana Clara.
Em contato com o hospital Maria Alice Fernandes, de Natal, a DDM teve acesso ao prontuário médico da paciente, que havia sido levada para a retirada de agulhas em seu corpo, notando que se tratava, pela foto, da mesma pessoa que estava em Jundiaí.
“Ana Clara” foi então confrontada pela DDM de Jundiaí, que decidiu contar a verdade, apurando os policiais que se tratava de uma mulher de 34 anos, identificada como A.S.O., nascida em maio de 1988.
A adulta resolveu confessar que tinha o costume de se passar por criança, já que as pessoas se comoviam e a ajudavam com abrigo, comida, roupas, remédio e dinheiro, e que tudo começou ao ser abusada sexualmente pelo pai na infância.
Contou que as agulhas foram inseridas por ela mesma em seu corpo, e que já havia passado pelos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, entre outros, sempre trocando de nome.
O investigadora-chefe Lilian Picchi informou que a adulta foi indiciada por falsidade ideológica, mas que também recebeu oferta de ajuda psicológica. No entanto, negou-se a receber e, assim que foi liberada, provavelmente deixou a cidade, rumo à capital.
Sobre o caso, Lilian observou: “É imprescindível acolher todas as mulheres, principalmente crianças, mas sempre buscando a verdade, para que a lei seja cumprida e a Justiça, feita”.
Reportagem: Impressa Policial